MOTELx - Prey e Bad Batch

O festival MOTELx 2017, a decorrer entre os dias 5 e 10 de Setembro, é um dos momentos cinematográficos mais esperados da rentrée e do Acho que Acho. Vamos lá estar e tentar vos dar uma apreciação dos filmes que teremos a sorte de ver. Passem por aqui todos os dias!


Os que julgam o filme de terror como um cavalo de um truque só estão muito enganados.  Mesmo dentro do obrigatório do género, o sangue, o suspense, o temor, existem variações tão numerosas quanto os realizadores que trabalham nele. As duas apostas que ontem tive o prazer de ver são disso bem prova: Prey do holandês Dick Mass e Bad Batch da iraniana-americana Ana Lily Amirpour.

Prey é um objecto estranho mas sui generis. Parece ser uma homenagem ao Jaws de Steven Spielberg, mas ao invés de um tubarão escolhe um leão assassino que caça humanos nas ruas da cidade de Amesterdão. Ao mesmo tempo, Dick Mass leva-se muito pouco a sério e escolhe o caminho do camp e do humorístico, entrecortados com cenas gore de vertiginoso desmembramento. A principio, existiu alguma dificuldade de entrar no registo na medida em não parecia clara o tipo de abordagem. Depressa qualquer duvida foi dissipada e foi possível sentar, desligar o cérebro (no bom sentido) e deixar levar pela premissa e execução que são tão ridículas que deram a volta e regressam verosímeis. Sabíamos de antemão os destinos de todos os protagonistas, já que o seu papel narrativo era tão óbvio que mais valia estar escrito a letras vermelhas garrafais. Ainda assim, a perspectiva leve e descomprometida conseguiu levantar o filme da banalidade. Os actores são convincentes, na medida em que o camp pode e deve ser convincente,   e parecíamos estar num domingo à tarde com uma família que goste de ver cabeças devoradas de uma dentada por leões computadorizados.  Divertido e leve, é uma das mais curiosas apostas para prémio de melhor longa-metragem europeia no MOTELx 2017.

Bad Batch é um outro campeonato. Ana Lily Amirpour já vem com algum peso no seu currículo, depois de A Girl Walks Home Alone At Night, filme iraniano de 2014 sobre uma vampira, e que conseguiu atrair muita atenção pela premissa e pela execução (inclusive no MOTELx). O hype à altura era já tão grande que, quando o vi, o desânimo entrou um pouco pela minha apreciação a dentro (é o que dá ter expectativas elevadas). De Bad Batch conhecia apenas um trailer delicioso e a participação de  Jason Mamoa (o Kahl Drogo e o Aquaman). Nada me preparou (felizmente) para a estranha e deliciosa experiência que é este filme, um Mad Max misturado com western spaghetti, um futuro que não parece assim tão longínquo e pergunto-me se será antes um futuro ou uma interpretação do presente - o dos EUA de Trump. Parcimonioso em palavras e completamente alicerçado na pureza da imagem, sublinha uma certa inclinação do Cinema que diz que nunca deveria ter deixado o mudo ou que, mais simplesmente, uma imagem vale mil palavras. Esse elogio está em quase todos os momentos de Bad Batch, que vale-se mais da geografia, do décor e dos actores para escrever a narrativa e as emoções.  Isso acontece principalmente com Suki Waterhouse e Jason Mamoa, cuja presença física e feições controlam e monopolizam o enredo. É um prodígio de casting e de talento. Menos omnipresente mas igualmente poderoso está Keanu Reeves, cuja breve aparição é também impressionante.

Digno de elogio é também a incrível Banda Sonora, com músicas escolhidas a dedo e estranhamente apropriadas à atmosfera quase alienígena do deserto que funciona como pano de fundo. Poderiam não funcionar mas funcionam e são testamento ao bom gosto musical de quem a escolheu (oiçam-na legalmente aqui). 

Dois filmes tão diferentes que não pareço estar a frequentar um festival de cinema temático. Prey é entretenimento descomprometido e Bad Batch é um dos grandes filmes do MOTELx e mesmo do ano - já que vai estrear comercialmente. 

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