Ama-San de Cláudia Varejão

Viajar no Japão, para um português, pode ser uma experiência reveladora. As diferenças culturais em relação à nossa latinidade são grandes o suficiente para provocar, sim, espanto, mas, acima de tudo, deslumbramento. O silêncio das ruas. O profundo sentido de comunidade revelado no mais ínfimo dos pormenores. O respeito pelo espaço de todos. Estas e tantas outras disparidades poderiam separar-nos. Mas, e paradoxalmente, existe um magnetismo que atrai um e outro povo, um insondável comum que nos aproxima. Poderia ser o facto de termos sido os primeiros ocidentais a pisar a ilha, os primeiros a dar-lhes o contacto com armas de fogo, estrangeiros (gaijin, para os japoneses) que os tentaram evangelizar, com os resultados que conhecemos.  Mas não acredito nisso. Porque razão os Madredeus tiveram sucesso no Japão? Porque é que aquela voz de mar da Teresa Salgueiro, aquele canto que se prolonga em eco aquoso, porque é que lhes interessou assim tanto?  Não sei... mas talvez a realizadora de Ama-San tenha percebido. 

As Ama-San do título são mulheres mergulhadoras que se dedicam "à recolha de abalones, algas, pérolas e outros tesouros marinhos" (in Publico). Utilizando nada mais que a própria capacidade para suster a respiração, fazem do mergulho a sua vida e o sustento de uma comunidade parcialmente matriarcal, algo que, para quem conhece algo da história e cultura do Japão, é uma raridade. Cláudia Varejão acompanhou o dia-a-dia destas mulheres, da sua família e da comunidade, relatando, de forma relativamente distante e particularmente bela, a silenciosa luta para sobreviver através da perpetuação de uma economia ancestral e, aparentemente, deslocada em relação ao mundo do século XXI. 

Portugal parece imiscuir-se no documentário. Será o meu olho ou as semelhanças em relação ao nosso país são apenas traços comuns a muitas culturas?  A partilha alegre da mesa de jantar. As cantorias em karaoke. O riso a bom e alto som, enchendo de voz as pequenas salas de restaurantes e casas. O escavar da terra com as mãos. O tenaz agarrar a velhas tradições como grito de permanência. Isto e mais Cláudia escolhe para falar das suas Ama-San. Um testamento à História, à diferença, à capacidade de perpetuar um modo de estar e de viver. Um documentário de uma portuguesa sobre o Japão e que une milhares de quilómetros de distância com o fio de uma mesma alegria. A verem antes que saia dos cinemas.

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