Multiversity # 2 de Grant Morrison e Ivan Reis.

A gentrificação é um dos mais interessantes e talvez irritantes fenómenos dos dias de hoje. Cidades como Nova Iorque, São Francisco e Londres têm sido alvo desta tendência. O estilo de vida e importância económica destas urbes atrai população cada vez mais rica, disposta a pagar rendas e preços de casa a valores muito acima da média, acabando por criar uma nova média, agora elevada. A escalada de preços continua a atrair segmentos da população com valores de rendimento cada vez maiores, criando clusters de habitantes endinheirados. A este fenómeno chama-se gentrificação. Uma das partes irritantes é que muita desta população é atraída por um certo estilo de vida criado por pessoas de segmentos económicos geralmente mais baixos: cenas culturais desenvolvidas e inovadoras; uma experiência de bairro recuperada. É, por exemplo, conhecida a irritação do cineasta Spike Lee quando vê a sua Brooklyn tomada por hipsters e artistas endinheirados atraídos por um estilo de vida que acabam por subverter.

Grant Morrison transporta esta fenómeno para o universo da BD e, especificamente, para a série Multiversity, que termina com este número. Os últimos 15 anos tem sido bons para a aceitação mainstream da BD. A proliferação de filmes de grande sucesso financeiro e cultural alertaram muitos para o potencial desta arte. Um potencial não só como multiplicador de receita financeira mas também como, mais importante ainda, criador de arquétipos culturais estruturantes. Os alertados são, na sua maioria, estranhos à arte mas munidos de recursos financeiros substanciais. A Disney adquiriu a Marvel depois de tomar consciência da importância dos filmes da editora. A Warner Brothers está a começar a aperceber-se do potencial verdadeiro de figuras de que há muito é proprietária: Super-Homem; Batman; etc. Ou seja, aquilo que era um segredo bem guardado pelos quase párias que eram os fãs de Banda Desenhada de super-heróis está agora nos olhos e gostos do mundo. Estão a ver a gentrificação?

Quem são os vilões deste Multiversity? Os Gentry. Sim, a alusão para além de ser mais que óbvia, é absolutamente essencial para perceber umas das múltiplas dimensões desta maravilhosa série. Com este número, Morrison acaba a epopeia que há anos preparava, mas deixa a porta escancarada para um regresso. Só posso ficar entusiasmado com essa ideia, principalmente se o escritor voltar e acompanhado pela quantidade de artistas de topo  que agraciaram as páginas dos vários capítulos. O brasileiro Ivan Reis, que se tem destacado como um consumado e virtuoso desenhista de BD de super-heróis, uma vez mais maravilha os apreciadores do género com composições pormenorizadas ao estilo de George Pérez e dinâmicas como John Buscema ou Neal Adams. É um festim para os olhos do fã ver tanta cor garrida, tanto personagem obscuro a precisar de ser descoberto. 

Infelizmente, tudo o que é bom acaba. Esta minissérie prova que um escritor e desenhista, quando deixados à liberdade da sua imaginação, são capazes do melhor que a Arte tem para oferecer (é verdade que Morrison e Reis são dos maiores nomes da BD e, portanto, com uma capacidade negocial invejável). É uma lição mesmo para a própria DC Comics que ultimamente insiste não só num tratamento menos privilegiado dos seus artistas como na contratação de talentos menos apropriados para histórias que mereciam mais (vejam Convergence). Precisamos de muitas Multiversitys. Venha a próxima e que demore o tempo que precisar porque qualidade desta só o tempo e paciência conseguem produzir.

Sem comentários: