Mad Max: Fury Road de George Miller (Mad Max: Estrada da Fúria)

Não me recordo de quase nada da primeira trilogia do Mad Max. Acredito que a tenha visto mas, sinceramente, não me lembro de muito para além de esparsas imagens de Mel Gibson ou do vídeo de uma música da Tina Turner. A estética e a mitologia nunca me convidaram a revê-la. Impelido pelas críticas muito positivas dadas por IMDB, Rotten Tomatoes e, principalmente, por amigos e conhecidos, senti-me curioso o suficiente para ir dar uma olhada nesta nova versão. A inclinação pop tem um bichinho que diz que quando se fala muito bem de um filme de acção vale a pena ir vê-lo e, desta vez, posso afirmar: acertaram todos. Que enorme filme de acção e, tem mesmo de se gritar, que grande filme... ponto final.

Tantas são as vezes que a publicidade afirma que um filme é uma obra prima, que deixará todos no limite dos assentos, com o coração perpetuadamente em êxtase e suspense. A relativa a este Mad Max dizia mesmo que George Miller era, sim, um génio. Ora, finalmente uma obra que cumpre. Frenético do início ao fim, não pára para respirar. Poderia cansar! Lembro-me, por exemplo, dos Transformers de Michael Bay, que também parecem escritos e realizados por uma pessoa com ADD. Contudo, Mad Max: Fury Road é frenesim temperado pela idade, experiência e talento. Não existe sobriedade mas os excessos são estudados ao milímetro. O argumento e coreografia das cenas de acção (omnipresentes) são planeados ao rigor da loucura, que transpira por todos os poros. É um filme movido a testosterona, gasolina, velocidade, suor e gritos. Onde a violência é bárbara, não pelo sangue ou hipérbole, mas pelos personagens, que têm de sobreviver num mundo impiedoso, onde o que conta é o volume de medo e respeito  que se instiga no próximo. Onde as penas de pavão dão lugar a cicatrizes de guerra, a deformações hediondas providas da doença e da privação. Nesta paisagem pós-apocalíptica, a gasolina e a água são os mais importantes de todos os bens e, como em qualquer cenário de escassez extrema, o que deveria ser partilha dá lugar à exploração, à imposição do mais forte sobre o mais fraco.

Este filme é uma metáfora forte, transversal a tantas realidades mas, para além disso, bisa como alegoria feminista, ou melhor, pró-mulher. Apesar desta inclinação ter gerado contestações na internet e apelo, por parte de inveterados machistas, ao boicote do filme, ela é muito bem-vinda num mundo que se quer melhor. E nada mais apropriado do que esse apoio aparecer numa história que se passa num mundo muito, muito pior. A escritora dos Monólogos da Vagina, Eve Ensler, participou como consultora, ao ser convidada por George Miller para falar às mulheres acerca de violência contra o seu género. Se Mad Max não fosse tão bom como obra de arte já valeria apenas por este pequeno episódio. É por isso que esta é também uma obra onde brilha de forma impossível a estrela de Charlize Theron. Apesar de Tom Hardy ser maravilhoso ela é impiedosa, ofuscante. Todas as mulheres neste filme o são.

Quem diria que uma obra-prima do cinema viria de um lado tão insuspeito.

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