Multiversity # 1 por Grant Morrison e Ivan Reis

Uma das BD pela qual mais aguardava chegou finalmente às minhas mãos. Em posts anteriores já escrevi sobre o eterno namoro entre mim e aquela que foi a minha editora favorita de BD durante duas décadas e meia, a DC Comics, casa do Super-Homem. Contei como, infelizmente, nos zangámos e como deixou de publicar a minha literatura de super-heróis favorita. E revelei que tem voltado a seduzir-me e que tem conseguido trazer-me de volta. Entre as várias armas de sedução maciça existia a promessa desta BD, Multiversity, projeto há muito anunciado e nunca concretizado, da autoria de Grant Morrison, para mim um dos melhores escritores de BD de super-heróis da atualidade, responsável por uma fantástica sequência de histórias da Justice League of America (JLA) nos finais da década de 90, princípios do século XXI.

Este Multiversity é, ao mesmo tempo, um regresso e uma antevisão do futuro. Comecemos pelo regresso. Aqui reencontramos o mesmo ambiente apocalíptico multiuniversal que foi iniciado pela DC Comics no longínquo ano de 1986, quando publicou a lendária Crise nas Terras Infinitas (lançada recentemente pela Levoir). Morrison regressa ao discurso poético e grandiloquente que “criou” na JLA, as meias-palavras, os discursos entrecortados, a linguagem meta-textual maior que a vida, cada verbo, sujeito e adjectivo a janela para um holocausto de proporções cosmogónicas. O palco desta nova crise é a tapeçaria multiuniversal dos 52 universos que compõe o mapa universal da nova DC Comics. A ameaça ao tecido multi-real é gigante, leviatã, um monstro por enquanto apenas composto por ameaças veladas e enigmáticas, ou seja, o melhor tipo de terror.

Morrison propõe-se, ao logo de oito livros que serão desenhados por múltiplos artistas, explorar esta tapeçaria multiuniversal, percorrendo os diferentes mundos que a compõem. Neste primeiro capítulo explana os principais atores do drama infinito e eterno, atores que compõem um multicolorido quadro que apela ao mais básico sentido de maravilhamento da criança, adulto e velho que existe dentro de nós. São eles: o Presidente Super-Homem dos EUA da Terra-23; um coelho dotado de superpoderes, apropriadamente apelidado de Captain Carrot; os heróis da Terra-8, muito similares aos da Marvel; Dino-Cop, uma homenagem a Savage Dragon de Erik Larsen; etc. E estamos apenas no início. Desejo que o futuro da BD continue a enveredar pelo caminho do elogio ao passado com roupagens e formas capazes de inspirar inovação e não apenas repetição.

Particularmente delicioso é um "truque" que Morrison utiliza para que os diferentes personagens estejam informados acerca dos congéneres das várias Terras paralelas, bem como da ameaça que paira sobre todos. Cada personagem sabe da existência do outro por via de bandas desenhadas que são publicadas no respectivo mundo. Nas filosóficas palavras de Captain Carrot: "Sempre suspeitei que a realidade de um mundo é a ficção de um outro". Aliás, esta ferramenta vai buscá-la às década de 50 e 60, quando o Flash da Terra-1 é inspirado por uma BD do Flash da Terra 2 publicada no seu mundo (mais tarde conheceria o seu herói em carne e osso).  Acrescentado uma outra camada nesta vertigem meta-textual, o próprio leitor é chamado a participar na história de Multiversity, já que o escritor fala directamente connosco, numa jogada similar a um outro trabalho do autor, Animal Man. 

Esta BD está perto da perfeição para o meu gosto. Não digo que é perfeita porque ainda não li os restantes sete capítulos e mal posso esperar para que isso aconteça. Obrigado, DC, Morrison, Reis, por me fazerem continuar a gostar de vocês.

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