O que acontece quando a mentira é mais fácil que a verdade?
A Caça tem a facilidade de expor uma situação complexa através da linguagem
das meias palavras e dos factos revelados por um destreza e distanciamento clínicos. O realizador decide construir uma história simples, sobre maus
entendidos, revelando-nos a rapidez com que o ser humano, munido apenas de
preconceitos e facilitismos, consegue destruir uma ordem e, por arrasto, uma
vida inteira.
Existe um homem, interpretado pelo fabuloso Mads Mikkelsen (aquele que parece estar a criar uma melhor versão
do canibal Hannibal na série de TV
com o mesmo nome), professor de uma escola infantil no idílico campestre da
Dinamarca, que tem um excepcional apego ao seu trabalho e uma dedicação às
crianças deixadas a seu cargo. E existe uma pequena rapariga, umas das suas
alunas, que no meio da sua inocência, confunde sentimentos e palavras e arrasta
uma aldeia inteira para a suspeita de pedofilia que, em última instância, destrói
uma paz que, pelo vistos, pouco mais era que frágil e fugaz.
A civilização e a civilidade são elementos que depressa se apagam do
comportamento diário de uma comunidade e de nós, seres humanos. Depressa, o melhor amigo, aquele em quem confiávamos com
a nossa herança, é transformado, pela suspeita, no pior dos monstros, arrastamo-lo
pela lama das nossas próprias fobias. O que é preciso para que esse homem, o alvo
das nossas suspeitas e dos nossos medos, consiga sobreviver ao inferno em que se transformou a sua vida, isolado dos conterrâneos pela mentira que não
se consegue provar? E porque não se consegue provar? Porque a percepção enviesada
e infantil dos factos é a única que interessa. Preferimos a segurança da
suspeita que a descoberta dos factos e da verdade, mesmo quando tão fáceis de alcançar.
Esta é uma lição que não se limita à geografia da Dinamarca, nem à civilização
dos norte-europeus. Não se limita a um tempo, a um espaço nem a uma situação. Ela
deveria contaminar todos os momentos da nossa vida, desde a simples leitura de
uma notícia de um jornal, à decisão de apoiar um amigo. O difícil é colocar na
prática.
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