Demolidor... Ler sem medo! – parte 3.ª


Daredevil Visionnaires Frank Miller 1 a 3

Frank Miller iniciou a carreia mediática na BD americana quando tomou as rédeas do Demolidor, cuja revista encontrava-se à beira do cancelamento. Inicialmente, dedicou-se apenas aos desenhos, auxiliando Roger McKenzie, escritor, o que desde logo significou um salto quântico na qualidade visual e estética do personagem. Com Miller, Nova Iorque assume-se como um inferno noir, fumo negro a encher as alturas onde o personagem se deslocava, bares imundos povoados pela escória da cidade, enquanto no topo dos arranha-céus que desenham o horizonte da cidade viviam os abastados corruptos que a governavam. Esta era a Nova Iorque de Frank Miller, de Martin Scorcese, das décadas de 70 e 80.

Os números com McKenzie não passaram, contudo, de um aquecimento. Depressa assume as rédeas da escrita e logo no primeiro capítulo daquela que viria a ser considerada como a interpretação definitiva deste personagem, Miller introduz um conjunto de elementos que viriam a caracterizar quase toda a sua primeira contribuição para o Demolidor. Influenciado pelos Mangás e muito especificamente pela seminal obra Lone Wolf & Cub, o autor introduz nas primeiras páginas uma ninja, Elektra Natchios, o primeiro e perdido amor do personagem, uma personalidade dúbia, oscilando entre os lados negro e luminoso da moralidade, uma assassina a soldo com consciência e um passado trágico (como não poderia deixar de ser). Em apenas um capítulo, Miller introduz o lado cinzento da ética de Matt Murdock, dividido entre um amor por um personagem que ele sabe marcado pela tragédia, e o dever absoluto pela justiça, que paradoxalmente defende como Demolidor e advogado. Este dilema acabará por definir o personagem, tendo esta influência se imprimido no cerne e caracterização para o resto dos seus dias.

A atmosfera circundante ao Demolidor oscilaria entre este temas tão caros a Miller, que assume a faceta de auteur, alguém que molda um personagem ao ponto de o recriar. Foi aqui também que o escritor agarra num ridículo inimigo do Homem-Aranha, o Rei do Crime, e transforma-o ao ponto de fazer pleno jus ao seu epíteto. Mas o que o autor faz nada mais é que alicerçar o mundo do Demolidor na realidade, onde os super-vilões deixam de ser motivados por motivos ridículos e grandiloquentes mas antes pelas boas e velhas ganância, desonestidade e ânsia de poder. Nada menos e ao mesmo tempo mais revolucionário.

A história estender-se-ia por dois actos, sendo que morte violenta e inesperada de um dos principais personagens coadjuvantes acabaria por marcar o meio do caminho. Apimentando o percurso acabariam por imiscuir-se histórias até à data pouco contadas no universo dos super-heróis. Histórias de cariz social e de intervenção, como as relacionadas com corrupção política e droga em meios escolares. Mas nunca sem descurar o elemento de aventura tão caro e obrigatório a este estilo.

Os três volumes que aqui se recomenda coleccionam a totalidade desta primeira contribuição de Miller para o Demolidor, válida pela qualidade superior que lhe rendeu um papel na História da BD. Leitura essencial a todos os níveis.


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