Banda Desenhada...porque vale a pena ler e ler e ler.


100 Bullets de Brian Azzarello e Eduardo Risso

O tiro ecoou seco nos desfiladeiros de betão. Na cidade imunda, empestada de morte, o ar é uma viscosa mistura de gás, fumo e decomposição. Ao meu lado, uma mulher feita de pecado ronrona mentiras no meu ouvido. Para possuir aquele corpo noite após noite, eu acredito em todas. Na torre de marfim, um homem gordo de maldade e de sobrevivência gargalha estrondosamente e eu sei que não é comigo e sim de mim, um gozo que será para sempre. Porque sou uma vítima tal como este pobre desgraçado que destila sangue no crescente lago que brota do peito. A arma quente fumega na minha mão. E eu sei que o ronronar está prestes a acabar.

Segunda tentativa de descrever, por palavras vagas, a atmosfera e sensação de uma leitura. Sam.

Banda Desenhada é descrita como “uma sequência narrativa de imagens”. Porque combina prosa e desenho, criar uma BD pode implicar uma estreita e quase simbiótica ligação entre duas pessoas. Existem muitos casos do escritor e desenhador serem um único (Will Eisner, Hugo Pratt, Carl Barks, Katsuhiro Otomo), mas existem também muitos e muitos outros onde são pessoas diferentes. É o caso deste “100 Bullets” em que, sim, a cabeça-mestre é o escritor Brian Azzarello, mas o grau de complementaridade com o desenhador, Eduardo Risso, é tal que parecem ser o mesmo. E estamos a falar de dois indivíduos que não falam a mesma língua materna (Azzarello é norte-americano e Risso é argentino), nem tampouco estão perto um do outro, geograficamente falando. E esta estreita relação é apenas uma das grandes qualidades da BD que dá pelo nome de “100 Bullets”.

E porquê “100 Bullets”?

O premissa inicial desta obra (que podemos chamar de) épica é simples. O Agente Graves tem o costume de dar, aparentemente a qualquer um, uma hipótese única na vida: uma arma de fogo que não pode ser identificada; a foto da pessoa que mais nos prejudicou ou prejudica; e 100 balas. Simples e eficaz. O resto é connosco. Mas rapidamente apercebermo-nos que nada é o que parece.

Estamos, no momento em que escrevo isto, a 10 capítulos do fim dos apropriadamente planeados 100 desta ópera “noir” e nada é aquilo que a inicialmente se fazia antever. Entretanto meteram-se ao barulho sociedades secretas que (como não podia deixar de ser) secretamente tentam desenhar os acontecimentos do mundo, uma cabala de agentes que são máquinas de matar e cuja agenda parece colidir com a sociedade secreta, vitimas inocentes e não tão inocentes, detectives puros, homens corruptos, mulheres-pecado, uma panóplia de intervenientes que constroem uma tapeçaria arrebatadora no vício que sustenta o leitor, incapaz de resistir.

Este é neste momento uma das melhores obras de BD a ser produzidas e, se o final estiver à altura do caminho que se demorou a lá chegar, um dos mais memoráveis e essenciais livros a ter na prateleira. Tudo servido por uma prosa e desenho em total e afiada sintonia. Obrigatório!

(nota –foram já lançados 8 volumes compilando os 83 primeiros capítulos. Procurem na Amazon)

Sem comentários: